Um dia lindo de morrer

Quando eu lembro de ontem, arrepia.

Nos últimos fins de semana a coisa tem sido meio modorrenta. Grana curta, frio “rascante”, preguiça, os mesmo programas de sempre, novidades bloguísticas… Sempre havia um “bom” motivo para ficar embaixo das cobertas, vendo um filme ou inventando mais uma demanda para o dia-a-dia. Maquinar, sabe como é.

Daí que sexta-feira, ao chegar do trabalho, já havia uma programação definida: bar ver amiga de amigo + show de ska da banda de amigo de amigo. Acabou que, por preguiça, ficamos em casa, eu e o amigo Jader. Dhuba estava por ali, em posição de lótus na frente do video game, eu catei uma garrafa de Mangueira esquecida na geladeira e mandei cinco shots pra dentro. Jader fez o mesmo e terminou de secar a garrafa. Óbvio que isso fez a noite. Não precisamos sair pra outro lugar.

Daí começou o dia sagrado: o sábado.

1 – Acordar às 08h, sem ressaca, só com sede? Ponto para o sábado;
2 – Encontrar a família do amigo, depois de boas semanas de sumiço? Ponto para o sábado;
3 – Acompanhar amigo e mãe do amigo na concessionária, escolher o carango novo? Ponto para o sábado;
4 – Seguir para Sampa encontrar uma amiga do amigo, a gente finíssima, bem humorada, bonita, engraçada e disposta Francisca, tão charmosa quanto o nome? Ponto para o sábado;
5 – Bater perna na praça Benedito Calixto, num dia de clima ameno, jogar conversa fora, falar de Madonna, apostas, vinis, tomar um café e ver os preparativos finais para um casamento numa igreja do lado? Ponto para o sábado;
6 – Ligar para a amiga Carol Bazzo, a convocar para o show de China e Mombojó e receber pelo tom da voz dela um abraço ali mesmo, pelo celular? Ponto para o sábado;
7 – Bater perna pela Livraria Cultura, vendo, escolhendo e perdendo livros, testando o fantástico Manual do Xavequeiro, dividindo pequenos trechos de livros aleatórios e aforismos prediletos? Ponto para o sábado;

8 – Ver a noite esfriar rápido e mesmo assim seguir para a estação de Metrô Santa Cruz e assistir uma batalha de MCs no estilo 8 Mile, em que o irmão do Jader, mais conhecido como Mc Bino, mandou super bem? “Tem que ter suingue, tem que ter suingue, no Santa Cruz o metrô é o ringue”? Ponto para o sábado;

9 – Fazer o caminho do Metrô Santa Cruz até o StudioSP com o pretenso sonho de conseguir rimar como aqueles carinhas e no mínimo conseguir rir muito com as idiotices ditas, fazer esquenta num bar do lado, tomando uma Brahma geladíssima na fria noite de Sampa, ouvindo Calcinha Preta e Queen? Ponto para o sábado e
10 – Ir para o StudioSP para assistir a um show dos dois artistas pernambucanos que mais admiro, China e Mombojó, me acabar com as escolhas do DJ Tatá Aeroplano, vocalista da banda paulistana Jumbo Elektro [que mandou, no meio de tudo, um alucinado Tuareg, dos primeiros anos da Gal Costa], cantar praticamente todas as músicas, dançar, beber cerveja, gritar mesmo com a garganta inflamada, lembrar do primeiro show do Mombojó em Teresina e perceber a evolução dos “meninos”, finalmente ver um show do China, me divertir afu, sair do Studio completamente sem voz, sem pernas e sem uma gota de tristeza na mente? Ponto para o sábado.

Depois de muito tempo sem grandes idéias do que fazer no fim de semana, num dia só consegui programas variados e divertidos, com papos engraçados e sérios, longos e curtos, irônicos, mas bem humorados sempre. Há tempos eu não tinha um sábado tão empolgante assim, com tudo se encaixando, fluindo, apenas sendo. Conhecendo gente nova, reencontrando gente bacana… e pensando que a gente reclama mesmo pra ter o que achar ruim da vida. Drama bobo, entende?

Ontem foi um sábado tão bom que rendeu até pacto: “por sábados mais felizes”. Ontem? Ontem fez um sábado lindo de morrer.

Às 07h o telefone toca

É você do outro lado, rindo como se fosse jovem de novo, preocupada com as estações de ano que nos separam, se já não fossem os 1.800 km. Enquanto aqui é outono, aí é o inverno torto, que chove e tudo alaga, e eu minto, minto com convicção e voz tremida de quem acabou de acordar.

Você fala dele, o negro amado quase da minha altura e quase da minha idade e todo dentro do meu peito que está bem, fala das vias alagadas, das coisas que eu já não sei mais, é uma coisa que naturalmente acontece, eu até poderia falar tudo, mas é principalmente quando eu calo que eu sinto uma força diferente se materializando dentro do meu estômago. O aperto se dissipa com o copo de água gelada religiosamente tomando todos os dias pela manhã. Água gelada sempre me fez pensar melhor.

Você pergunta então sobre os projetos que já não fazem mais parte da pauta do meu dia, eu lembro que acordei às 05h30, antes de tudo tocar, despertadores ou preocupações, e essas segundas quase me deixam acordado. A agonia da prova de matemática no dia seguinte nunca me fez perder o sono, quem diria um desarranjo qualquer. Só que a sua voz, naturalmente aguda, me faz enternecer dentro de mim mesmo. Derreto por dentro na negação do seu desejo mais puro e menos útil, mas ainda assim nunca não-válido. Quem sabe quando você entrar? Não, não precisa, é uma coisa desnecessária. Por que você não gosta ou por que você não quer? Porque eu não quero. Então eu faço questão. Quem sabe quando você entrar? Então você faz uma referência à espessura e ao grau que assim terei. Eu rio e concordo.

E eu penso que foi ele quem me passou toda essa teimosia e gana pela verdade levar meu nome, mas na verdade veio tudo de você. E quando, três minutos e alguns segundos depois, você desliga, tomo mais um gole de água gelada, coço os olhos na intenção de esconder o que o soluço não permite e sigo para o banho que rotina mais um dia.

La science des rêves

Sonhei com dois amigos do tempo do Diocesano de ontem pra hoje. Eu já tinha levantado para tomar uma água, voltado para a cama, deitado e então sonhei. Eles apareciam dentro de um ônibus, me chamavam pra viajar, ir com eles, sei lá. O André, corintiano, já é engenheiro e quase é arquiteto. Deve faltar pouco pra terminar Arquitetura. Ele mora[va] num sítio, nos rumos de Timon. Alto, louro e magro, toca[va] violão e guitarra. E adora[va] futebol. O David, hoje é quase militar, está treinando lá por Santa Catarina. Vascaíno como eu, roqueiro como André e eu, portador de miopia como o André e eu, fez uns 10 vestibulares antes de passar pra academia militar. Odontologia, Fisioterapia, acho que Veterinária… é um dos caras mais engraçados e bem humorados que conheci. Ele foi a primeira pessoa que eu vi chamando os seriados americanos de enlatados. Nós três éramos fãs de Guns N’ Roses, queríamos montar uma banda. Foi a primeira patota de três amigos que eu denominei como Trio Ameba. A gente achava graça das coisas mais imbecis do mundo. E queríamos ter uma banda. Quando eu fui representante de turma no 3° ano do Ensino Médio, no meu “discurso” de despedida, numa das infinitas aulas da saudade, preferi apelar pra consciência e dizer que o vestibular não dispunha de vagas suficientes pra todo mundo que queria Medicina. Do fundão, nossa casa e reduto, David solta um jocoso “brigado, Pedro, era tudo que eu quera ouvir mesmo”. No meio do discurso, uma gargalhada… Ele tinha escolhido Medicina como 1ª opção e não passou. Hoje eu vibro com isso, por que a não-aprovação e consequente busca dele rendeu um encontro com o que ele realmente queria. O André era foda e sabia das coisas. Passou em 1° lugar pra Engenharia Civil; no ano seguinte, passou em 4° lugar para Arquitetura. David costumava dizer que jogando futebol eu era “marcado pela natureza”. Eu ria muito disso e quase nunca me irritava. Acho que gente não discutiu nenhuma vez. Aguentávamos ser expulsos de sala, as reclamações da coordenação… antes de entender o que realmente estava acontecendo ao meu redor em relação a amizades profundas, era com eles que eu me sentia profundamente bem. Sentia-os como irmãos. Na foto clássica ao fim do 3° ano do Ensino Médio, nós três estamos juntos. Nas fotos da turma também, sempre com um ou outro bom amigo gravitando ao redor daquela tríade. Nas últimas aulas, enquanto eu e o André chorávamos a certeza da distância eminente, o David segurava as pontas com um “o mundo não vai acabar não, rapaz!”… Um dia eu encontrei o David tirando uma xerox lá no SG4, depois de uma aula de Odonto. Os santos bateram de novo, depois de tanto tempo distantes. Mas numa intensidade menor, confesso. O mesmo aconteceu com o André, das vezes em que nos encontramos. Tive a sorte de encontrá-lo numa das minhas comemorações de formatura e dar a ele uma senha do baile. Ele não foi. Um dia encontrei o David no Orkut. Trocamos uns scraps, mas ficou nisso. Eu entendo, não tenho rancor nenhum por essa aparente frieza. As pessoas mudam, as relações mudam, mas os dias de Diocesano não serão esquecidos nunca, disso tenho certeza. E hoje, eu já tinha levantado para tomar uma água, voltado para a cama, deitado e então sonhei. Sonhei com eles. Será que o ônibus é uma alegoria para a saudade? Ou é a tradução de que nosso projeto de banda finalmente vai se concretizar? Será se o David comprou uma bateria? Será se o dedo que o André machucou na trave do sítio dele finalmente sarou por completo? Será?…

Não vejo a hora de dormir novamente pra ver se sonho com o final dessa história.

Saudade de vocês, amigos.

Não ache que isso é outra coisa senão dor

Não é imaginação, não é frescura, não é desalento. Quer dizer, pode até ser desalento, pode provocar desespero, mas não ache que isso é outra coisa senão dor intensa e verdadeira no seu mais genuíno motivo: estímulo desconfortável das terminações nervosas presentes na sua derme, a terceira camada do que se convencionou a chamar de pele. Não só isso causa dor, claro. Frio/calor extremados, desespero, desalento, paixão, amor, morte, partida, saudade, derrota. O mundo tem mais de um quaquilhão de formas de provocar dor ao ser humano. Seja no seu frágil corpo ou na sua impressionável mente.

Dor, pessoas, como aquelas mais excruciantes do que você pode imaginar. A morte do seu cachorro, a saudade do pai distante, o chocolate suíço desperdiçado, o amor esquecido, a pane no seu vídeo-game, o soco do namorado ciumento, talvez nenhuma, creiam-me, nenhuma dor seja mais forte que a dor do crescimento imperceptível. Aquele que faz de você não só adolescente, adulto, idoso, mas, principalmente, faz você deixar de ser criança. Acordar e saber que quem trouxe sua bicicleta de Natal foi seu pai e não o Papai Natal, que não há céu para os cachorros [nem para você mesmo…], que nem tudo cabe no cartão de crédito da sua mãe, que é preciso compensar para receber, dar dois passos e voltar um, ceder para não perder, morrer um pouco a cada dia pela vida de outrem.

Nada, meus caros, nada é mais doloroso que crescer.

 

what subject?

“não tem.

não tem assim um assunto, uma coisa pra escrever. só tava mesmo sentindo falta de falar contigo, de contar das coisas do dia-a-dia daqui, do que não faz mais parte do meu dia-a-dia, das coisas que eu quero fazer, das saudades que eu tenho.

e esse ano de 2008, que eu comecei aqui e ‘sendo’ daqui, me faz pensar muito em como eu estava me sentindo exatamente um ano atrás. o que era supresa agora já é hábito, eu reconheço os caminhos, eu até dirigo sozinho…

eu tenho mesmo é saudade de ficar assim sem fazer nada e fazendo tudo, papo de horas sem dizer coisa nenhuma, morgando o fim do domingo assistindo o último filme desconhecido que tu baixou. sentando no sofá da sala, violão no colo, um dedilhado qualquer.

eu conheci duas meninas tem umas duas semanas, e elas são amigas desde o colégio. são 10 anos de amizade, de dormir uma na casa da outra, escutarem discos, viajarem, essas coisas. e eu vejo nelas duas não um arremedo ou uma referência, mas uma proximidade ao que eu sinto em relação a você mesmo estando tão distante fisico-mentalmente. em saber que eu ainda sei tudo de ti mesmo não tendo notícias tuas há dois meses. eu simplesmente sei quem é você [e como diz o Dr. House MD: ‘nobody changes’] e sei que ainda tenho em ti abrigo pras minhas besteiras, pras cervejas, pras conversas sobre tudo.

é bom, muito bom, saber de você um amigo. reformulo a frase: é bom, muito bom, saber de você um irmão. ‘soulmates never die’, já disse o Placebo, e todos os dias quando eu penso em você com tanto carinho, sei mais ainda da verdade dessa frase. e não há nada que eu não me sinta confortável em contar pra você, e acho que só estar na minha casa me deixa mais seguro do que isso.

provavelmente eu não vá ter resposta desse e-mail, eu nem ligo, por que sei que você é assim, e que é assim que você sabe ser. eu nem ligo por que eu sei que provavelmente tu vai responder esse e-mail na tua cabeça com um ‘eu também’.

te cuida. te amo. saudades.”