De como amei cada uma de vocês

The evening was long, my guesses were true, you saw me see you. That something you said, the timing was right, the pleasure was mine

Feist – One Evening

amor-breve

Não escondo de ninguém que, em se tratando de relacionamentos, minha adolescência foi uma negação. Nunca fui bonito, sempre fui desengonçado, era da turma do fundão sem ser mala o suficiente para as meninhas se dedicarem a uma transgressão de costumes e minhas pouquíssimas investidas mais hã… elaboradas eram motivo de riso – já que, naquela época, tudo o que eu sabia ser era brega.

Quando enfim cheguei à universidade, não sei o que ocorreu, mas as coisas mudaram. Minhas piadas se tornaram engraçadas, alguns sorrisos eram correspondidos, quase uma ação orquestrada pela fada madrinha. Mas tudo isso por pouco tempo. Logo assumiria um namoro que, enquanto durou, cumpriu seu papel.

Num dos fins deste relacionamento, que durou cinco anos ao todo, troquei o cérebro de lugar e abusei de uma condição que nunca mais se repetiu. Depois de muito saracotear por aí, em envolvimentos dos mais diversos [e dos mais agitados], voltei ao namoro para mais um ano de relacionamento, me mudei para Sampa e, seis meses depois, me vi solteiro definitivamente e enfim.

No meio de tudo isso, quando estava solteiro e já na universidade, me acostumei a conhecer meninas, garotas e mulheres que, cada uma a seu modo, me marcaram.

Mas isso é apenas um intróito torto ao que vem a seguir, e que começa agora.

Na minha última ida a Teresina, comprei o último livro do escritor e psicanalista Contardo Calligaris, O Conto do Amor, meio que no susto. Bati o olho e, leitor esporádico de seus textos pela internet, resolvi arriscar. Não perguntei preço nem nada: os R$ 34 pagos se tornaram irrisórios diante da fantástica leitura que ele me proporcionou.

Na volta para São Paulo, 125 páginas lidas em coisa de seis horas. A história em si não me prendeu, mas os detalhes e a minha identificação com eles fez do livro uma das grandes surpresas deste ano. Mas não vou dar detalhe algum a respeito disso. Só vou dizer que, a partir desta leitura, entendi de onde vem e para onde vão meus amores breves.

AMORES BREVES?

I met him down on a cheerful morning, at the local place for murders. All of a sudden, he spoke his mind and I spoke my mind just moanin’. We held hands, he showed me drugs – I laughed and said: I’m yours, babe

Vanguart – Miss Universe

Essa é a maneira que encontrei para definir todas aquelas relações intensas e profundas, mas de curtíssima duração. Um fica, um rolo, um qualquer coisa que dure mais de um mês mas que não seja um namoro… Vivi algumas histórias deste tipo e, depois de confundir algumas delas com paixões e paixonites, finalmente entendi, com a leitura de O Conto do Amor, que eram “apenas” amores de curta e fantástica duração, honrando a máxima de Vinicius de Moraes.

Isso porque eu sou/fui um cara que me apaixono fácil. Sempre foi assim, desde a primeira infância. Paixões feitas de sorrisos, de brincadeiras, de ironias, de desprezos… Porque os detalhes, que só eu via, as coisas que só eu notava, as variações de voz, as pequenas saudades, as ordens, os trejeitos na hora de rir, tudo isso sempre acumulei na cabeça. Para que assim, quando chegasse em casa, ficar viajando a respeito.

Quando dava por mim, já sentia falta, queria estar junto, sentia vontade de ligar e jogar conversa fora… Aquilo tudo que a gente já conhece do “processo apaixonativo”.

Foi assim que eu cheguei ao meu namoro de cinco anos, foi assim que eu fui apaixonado pela ex-namorada de um amigo, foi assim que eu fui apaixonado por diversas vezes.

Paixões de suspirar quando topava com uma lembrança mínima daqueles dias de beijos e sorrisos, de não conseguir evitar o encontro com coisas que lembrassem aquela criatura, ou de fugir quando via uma delas sem querer.

E foram anos sofrendo, achando que estas coisas todas eram perda de tempo, que só vinham pra me atormentar, que só eu colecionava histórias de paixonites que só eu levava a sério demais.

Amigos condenavam dizendo um zeloso “esquece isso, criatura”, e eu me forçava a esquecer algumas coisas. Passava dias, semanas, meses, me martirizando ao pensar que tudo acabou porque eu fui grudento demais, ou qualquer coisa assim. E no fim, tudo o que eu precisava entender era que aquilo tinha um nome: amores breves.

AS LEMBRANÇAS

There are places i’ll remember all my life though some have changed. Some forever not for better, some have gone and some remain. All these places have their moments, with lovers and friends i still can recall. Some are dead and some are living – in my life i’ve loved them all.

The Beatles – In My Life

Uma das maneiras como os amores breves se manifestam em mim é na coleção feliz de boas histórias e de detalhes que nunca serão esquecidos. Quanto mais situações vivo, mais frequentes são estas lembranças, mesmo que nem em todas estas eu tenha me sentido apaixonado.

Mas amores pequenos e felizes nasceram ali e morreram ali, como se fossem pequenos universos: onde existe vida, coisas acontecem, astros tem suas rotações e translações e tudo funciona seguindo uma certa lógica, que pode ou não ser quebrada. E caso seja, vai no máximo provocar intensas, mas breves dores.

Assim…

– amei você quando bebeste demais antes de sairmos naquela noite minha e sua, mas principalmente porque você estava de botas e vestido cinza;
– amei você quando me disse que achava sexy me ver dirigindo e levou um dvd do Oasis para vermos em casa;
– amei você quando fez fotos minhas dizendo “mas é gato, meu deus!”;
– amei você quando transamos vendo um dvd do Placebo;
– amei você quando tomamos o quarto da tua anfitriã;
– amei você quando passamos uma noite inteira nus, rindo e conversando;
– amei você quando me citou Freud entre um sushi e outro;
– amei você quando sua avó me fez uma sobremesa de morango;
– amei você quando nos beijamos na escada;
– amei você quando conversamos sobre religião;
– amei você quando cantamos Frank Sinatra descendo a Rua Augusta;
– amei você quando te surpreendi na loja de doces;
– amei você quando te roubei um lenço perfumado;
– amei você quando debatemos nomes de banda;
– amei você quando te fiz chá e cafuné;
– amei você quando passeamos na fria Avenida Paulista, depois de cervejas e conversas;
– amei você quando não te beijei;
– amei você quando me recebeu com Billie Holiday;
– amei você quando aceitou meu convite para um café depois do almoço;
– amei você quando me contou como gostava de ver seu pai cozinhando;
– amei você quando senti seu perfume pela primeira vez;
– amei você quando sambamos um samba torto;
– amei você quando …

Um amor breve é quando você admite que sim, ama aquele ser desconhecido, apenas pelo o que ele representa para você, sem cobranças, sem doenças, sem neuras.

É não ter ciúme, é não desejar mal, é não ser um ex-namorado. É andar de mãos dadas, é inventar brincadeiras. É “apenas” mais uma página na sua história, é quando você se dá conta de que viveu algo especial, mas que não rende um capítulo inteiro da sua vida. Em uma comparação rota, paixões são capítulos de um livro, o amor [aquele clássico e já conhecido grande volume]. Amores breves são contos de um livro sobre o amar.

E é muito fácil entender isso depois que você é iluminado [aqui meu muito obrigado, Contardo], porque aí você entende que é só viver. Viver e deixar viver, como diz a canção. Que o amor livre dos anos 60 e 70 chegou para nós com cara de orgia, mas que pode sim ser elevado à categoria feliz de amor, breve amor.

One night stand, não sabe o nome da menina, esqueceu como a conheceu? Tudo bem se você lembra como ela se chegou no seu peito pra dormir, ou como bebia água deixando escorrer uma gota no canto da boca. Encontro inesperado, pergunta direta e fim de noite forçadamente antecipado? Não há problema se no dia seguinte vocês dançaram sozinhos na chuva, tomando cerveja ou se ela, depois de tantas diferentes danças, dormiu pesado, provocando carinhos e apelidos inesperados.

As histórias são muitas… São quantas cabem na memória.

E não, não é sempre que isso acontece, e você não sabe quando vai acontecer. Umas seguem o curso natural do esquecimento e passam sem deixar marca. Algumas crescem e viram outras coisas, imprevisíveis.

Outras, quando você se dá conta, estão lá desde sempre. São indeléveis.

Top 5 filmes para dias de crise [e para ouvir The Walkmen]

Tudo começou com um chamado do Denis Pacheco no Twitter:

“colaborem comigo twitters: top filmes q vc assiste qdo tá em crise (não q eu esteja ou algo assim…)”.

Quem me conhece [toda vez que eu falo sobre isso, repito essa frase, mas acho o aviso tão necessário…] sabe que eu sou simplesmente péssimo para fazer listas. Por que temas restringem minha memória e, depois que eu passei a ter um sono irregular, esta tem ficado cada dia pior. Mas me empolguei com aquele pedido e de cara saquei uma lista basicona, sem pensar muito [feita tão na pressa que errei até o nome do primeiro filme].

Nas minhas sugestões entraram The Graduate, Closer, Before Sunrise, Before Sunset e Lost in Translation. Daí que o Denis escreveu o Top dele, coincidindo com três das minhas dicas. O comentário dele sobre a indicação The Graduate, no entanto, me levou a explicar meu próprio Top 5. E é por isso que estamos aqui.

Para acompanhar tão desesperado Top 5 de filmes para dias de crise, convoco a obra de uma banda que me acompanha nos mais diversos tipos de emboscadas emocionais, os meus preditelos, o The Walkmen e cada filme vem acompanhado de uma possível música-tema/trilha sonora. Vamos lá.

The Graduate [The Walkmen – What’s in It for Me]

Divido a opinião com um antigo e distanciado amigo de que as resenhas e sinopses que tratam esse filme como comédia são A piada da história. The Graduate conta as tragédias de Benjamin Braddock, recém-formado, 21 anos, de volta à casa dos pais, aprendendo a lidar com a vida adulta, mulheres, expectativas e o maldito futuro. Para todos que estão saindo da universidade ou pensam em amar alguém loucamente.

Mr. Braddock: What’s the matter? The guests are all downstairs, Ben, waiting to see you.
Benjamin: Look, Dad, could you explain to them that I have to be alone for a while?
Mr. Braddock: These are all our good friends, Ben. Most of them have known you since, well, practically since you were born. What is it, Ben?
Benjamin: I’m just…
Mr. Braddock: Worried?
Benjamin: Well…
Mr. Braddock: About what?
Benjamin: I guess about my future.
Mr. Braddock: What about it?
Benjamin: I don’t know… I want it to be…
Mr. Braddock: To be what?
Benjamin: [looks at his father] … Different.

Closer [The Walkmen – We’ve Been Had]

Parece ser uma constante esse filme figurar em listas de gente em crise. Na primeira vez em que vi Closer, estava tão mais interessado no sexo que viria depois que não percebi como ele fala muito de relacionamentos “modernos”, efêmeros-eternos e de como cada pessoa sempre se dá o justo e válido direito de pensar só no seu umbigo. Com diálogos perfeitamente rascantes, seu único defeito é a trilha PATÉTICA de abertura, a mega-chata The Blowers’s Daughter, do Damien Rice.

Anna: We do everything that people who have sex do!
Larry: Do you enjoy sucking him off?
Anna: Yes!
Larry: You like his cock?
Anna: I love it!
Larry: You like him coming in your face?
Anna: Yes!
Larry: What does it taste like?
Anna: It tastes like you but sweeter!
Larry: That’s the spirit. Thank you. Thank you for your honesty. Now fuck off and die, you fucked up slag.

Before Sunrise [The Walkmen – Hang On, Siobhan]

Aqui a coisa atinge outro nível. Da imaturidade de The Graduate, passando pela fragilidade das relações de Closer, chegamos ao “first sigh love” de Before Sunrise, um filme que conta um dia de duas pessoas que se encontram, conversam, ouvem uma música fantástica da cantora Kath Bloom, chamada Come Here e só então se conhecem. Nesse ínterim, já é hora de partir, mas nunca de dizer adeus.

Jesse: Sometimes I dream about being a good father and a good husband. And sometimes it feels really close. But then other times it seems silly like it would ruin my whole life. And it’s not just a fear of commitment or that I’m incapable of caring or loving because… I can. It’s just that, if I’m totally honest with myself I think I’d rather die knowing that I was really good at something. That I had excelled in some way than that I’d just been in a nice, caring relationship.

Before Sunset [The Walkmen – In the New Year]

Before Sunrise nos leva diretamente a Before Sunset, sua continuação. Os dois personagens, Jesse e Celine, envelheceram, viveram, lutaram, perderam, se decepcionaram e enfim se encontraram novamente, agora em Paris. E como todas as pessoas que envelhecem e amam [nessa combinação exageradamente fascinante e prejudicial], se tornaram um pouco mais cínicas, amargas e, por que não?, esperançosas.

Celine: Memories are wonderful things, if you don’t have to deal with the past.

Lost in Translation [The Walkmen – The Rat]

A redenção de todos os desajustados, de todos os perdidos [sem trocadilhos]. Sofia Coppola aposta nesse longa numa combinação de isolamento pessoal e social, levando dois americanos a se encontrarem no meio de Tóquio. A língua e a agudez das personalidades de Charlotte e Bob levam o incauto espectador a um estado de agonia constante, se identificando [mesmo que insista em não admitir] com os pequenos grandes silêncios que permeiam o filme. “Just like honey”, saca?

Bob: I don’t want to leave.
Charlotte: So don’t. Stay here with me. We’ll start a jazz band.

É… e depois as pessoas não entendem por que eu gosto tanto de American Pie e Austin Powers. [suspiro…]

I will sing a lullaby

Eu não consigo me controlar
Tenho um demônio na carne, no corpo
Sonho acordada na escuridão da minha cela,
Utilizo os dedos pra provocar sensações proibidas
Eu não sei explicar como isso acontece,
eu sinto um formigamento percorrer o meu corpo,
e algo se desprende, e caminha em direção a você.

[3 Na Massa – Pecadora] 

Mais uma vez sonhei com você. Não como da outra, em que a gente conversava e de repente você se afastava ao menor esboço de aproximação da minha parte. Não foi num bar, numa calçada ou num café perdido no tempo e nas ruas.

Era a casa de alguém próximo a mim, mas muito distante de você. Sonhei, e eu afirmava e dizia sorrindo que ia embora, ia embora de onde eu estava, de volta para os meus, os dos outros, o de sempre.

Sonhei que você aparecia na companhia dele, como se quisesse me forçar a ver que tudo ia bem. E bem que ia, não há razão para mentir. Mas com você lá e ele ali, alguma coisa daria muito errado.

Assim como eu desejei no dia que você recusou todos os meus convites, havia música e dança, além do melhor lubrificante social já inventado.

[essa parte pode ter sido inventada ou não]
Enquanto você não tirava os olhos das marcas nas paredes, ele observava os movimentos precisos dos pares de coxas femininas pelo cômodo, acompanhando a dança com interesse peculiar e libidinoso.

Você olhava as paredes, ele, as coxas, e eu, eu apenas observava você: na gentileza dos seus gestos esboçando um toque na massa que fazia papel de tinta, na precisão do teu traço, no entreabrir da tua boca, forçando a separação lenta e seca dos lábios, logo devidamente umedecidos com a tua língua cruel.
[/essa parte pode ter sido inventada ou não]

De lá te puxei para fora do lugar da dança, da música e da bebida e te pus nos braços, como não havia feito em nenhum outro momento. E assim, nos meus braços e sem explicações maiores, derramei em ti um pouco da saudade que minha boca sentia da tua. Um beijo demorado e suave, causador dum comentário perverso e animado de um dos meus, que passou.

Te pus no chão, cuidando para te pousar de leve. Então, defronte a mim, mais um beijo – no qual sorvi de volta a saudade que minha boca sentia da tua, mas que não te despertava emoção – um olhar, um suspiro e afinal a coragem para a pergunta.

– Por que você faz isso, _________?
– Porque eu sou assim.

…..

Acordei incomodado, como você me deixava. Um incômodo travestido de curiosidade: que raios de força é essa que não se acaba?

Foi então que eu levantei da cama, tomei meu banho, me vesti e saí para mais um dia de trabalho.